quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A paz de quem?

Não tinha virado dez da manhã, e eu estava na minha doce Avenida Santo Amaro, a pé. Parece comum? Não é. Os que me conhecem, bem ou mal, sabem que as dez da manhã é o ápice do meu sono. O cume, o pico, o orgasmo do meu descanso. E eu já estava a pé na minha doce Santo Amaro. E chovia muito.
Os outros problemas da gente podiam ser como andar na chuva! Pelo menos para mim, depois que começou a chover e eu já estou molhado, aconteça o que acontecer, não me aborrece mais, continuo andando, reto, direto. Como se nada tivesse acontecido.
Mas eu tenho 18 anos, e minha coluna ainda é semi-nova.
Eu cheguei ao ponto da idade, porque um fato tão breve, tão cotidiano, tão urbano, me despertou atenção.
Depois de subir a rua Padre Antônio José dos Santos, rua que eu considero o coração do Brooklin - aonde tomo o melhor suco de abacaxi da cidade - eu reparei numa coisa simples, mas que me perturbou, de certa forma. A rua não é grande. A rua não é tão movimentada, nem permite alta velocidade. É uma rua pequena, uma "via de ligação", como diriam especialistas (ou viciados em leis de trânsito, como eu).
E parada do meu lado, ensopada da chuva, as costas meio curvadas se viam pela transparência da blusa branca, uma velinha. Carregava uma sacola com esforço que fazia parecer que seu braço se destroncaria do ombro. Me ofereci para carregar a sacola, e ela fez que não precisava, e agradeceu com um sorriso largo, mas que despencou imediatamente. A velha estava ensopada, e começou a tossir tosses horríveis. Parecia mesmo que ela cuspiria uma bola de pelo.
E os carros passavam, lentos, e aos poucos, mas passavam, enquanto aquela velinha esperava paciente o farol que não fechava, para poder atravessar finalmente.
É o lógico.
Porém, é o lógico para nós, que desviamos toda a nossa conduta moral e seguimos em cima da linha legal, que diz que os carros, enquanto o farol está verde, podem seguir caminho. E a velinha tomando chuva? Ela tem que esperar. A não ser que os condutores fizessem a gentileza de interromper o seu caminho confortavel por alguns segundos. Mas não acontece, e a velinha tem que esperar. Pode-se assistir essa imagem e vê-la como situação corriqueira. Mas eu não vi. Só consegui pensar em uma coisa.
Nós vivemos em um mundo que quer o fim das guerras, que quer o fim da fome, que faz campanha contra a Aids, contra a mizéria. Um mundo que implora por mobilizações.
O mesmo mundo que deixa uma velha esperar na chuva para não ter que atrasar o seu percurso em alguns segundos.
Não é questão legal, nem ética, moral, não é obrigação.
É questão de hipocrisia.

Você! Você pararia?

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Você veio com os olhos cheios d'água, com desculpas angustiadas que eu fiz questão de acalmar. E com a testa nos meus ombros, você soluçou umas palavras poucas, que eu não ouvi e nem queria. Enxugando os olhos, colocou as mãos por minha face, e com a sobrancelha bragunçada, você sorriu de tranquilidade. Dái perguntou como estive esses dias todos, e me jurou que sofreu também, franzindo a testa, você fala com a boca pequena, encolhida, que eu mereci e que no fundo você fez muito bem. Mas é só nessa hora, que você confessa que não aguentava mais, que você passou a noite em claro, e que os filmes todos te faziam mal. Eu confesso também, que aqueles comerciais de tv aonde as pessoas felizes sorriam me davam uma pontada aguda no peito, mas que eu até achava bonitinho. Você se lembra de um específico, mas eu te calo com um sinal bruto das mãos, porque não quero mesmo falar disso, quero olhar a tua bochecha saliente úmida do teu choro.

pena que foi só um sonho

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Você esta linda

Você esta linda
e ainda com um jeito que só você tem
de me fazer um bem que só você faz
e me dar uma paz que só você vai
acabar me matando

Você está linda
ainda com o cheiro que eu gosto
e aposto que é pra provocar
vem com o olhar que só você vai
acabar me matando

Você está linda
com seu jeitinho de me fazer sofrer
e ainda que eu sofra é sempre bem vinda
pode vir quando quiser me ver

Vem que eu te espero
você vem pra casa e brinda
a vida com você que eu quero
Você ainda está linda

A sinceridade supera uniformes

Agora que passou o tempo eleitoral, eu vou contar.
Eu nunca escondi a minha posição, meus contras e meus à favores, e só não contei a história antes para evitar encheção de saco. E também porque, sinceramente, tinha me esquecido.
Não quero discursar sobre minha opinião, não agora, que ja passou essa turbulenta fase democrática. Turbulência que, aliás, derrubou o avião da classe média paulistana (adoraria que todos pudessem ver a minha face de satisfação).
Acontece que todo dia eu vou até a estação de metrô São Joaquim, ali na avenida da Liberdade. Para falar a verdade, eu ia, agora estou finalmente aproveitando o meu repouso, o meu descanso, a minha vagabundagem. Hoje por exemplo, segunda feira, sete e quinze da noite, e vocês não imaginam como está gostoso ver o sol se por em moema, acompanhado da minha cervejinha. Ai que preguiça, Macunaíma.
Mas era outubro, e eu ainda estava envolvido na labuta diária, e desci, naquela manhã de outubro, na estação São Joaquim. Bem na porta, algumas senhoras devidamente uniformizadas entregavam panfletinhos, e na minha inevitável sonolência, estiquei os braços para apanhar um. Eu morro de pena de recusar esses panfletinhos. Mas os meus olhos foram rápidos, meus reflexos quase imediatos, e eu tive tempo de ler no avental azul da velhinha que me entregava o santinho: Serra 45.
Como que num impulso, digno do faroeste, eu recolhi a minha mão e dei um grito que não disse nada. Coitada, a velhinha se assustou, e eu me arrependi imediatamente (apesar de estar rindo por dentro, na minha maldade interior). Tratei de explicar, com simpatia, com paciência.
- Oh minha senhora, me desculpa, mas eu não vou querer não.
Ela ameaçou uma cara de indiferença, mas me bateu curiosidade, e eu tive tempo de perguntar:
- A senhora vota em quem?
Daí foi pega de surpresa, e ficou gaguejando a resposta:
- Eu... bem... ué... eu?... oras...!
- Vai votar no Serra?
A pele maltratada dava sinais de uma vida difícil, uma vida ralada, suada. Eu não tinha dúvidas, mas queria ouvir da boca dela. E ela gaguejou mais ainda:
- Eu?... veja bem... hãn... - Mas não respondia. Eu lancei direto e reto.
- Eu não vou! - Então ela respondeu na lata, e provou o que eu ja sabia, o que eu entendo, aprovo, o que eu tento explicar para meus queridos tucanos. Ela respondeu de boca cheia:
- Ah! Eu também não!

E eu desci sorrindo até a rua do Hsbc, que até hoje eu não sei o nome.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Para meus amigos do Tortula

Chorei, o choro de um filho caçula
Jogado às mesas do Tortula
Exposto aos gritos da avenida
E só assim eu tenho amparo
Caído aos pés da Santo Amaro
Em meio arranques de partida

Quanta vida
Se vive nesse vai e vem
Eu vou tomar a saideira
Parar um Terminal Bandeira
E embarcar nessa vida também.

Me leva, me envolve, me prende
Na tua irregularidade
Faz garoa da tempestade
São Paulo, o paulistano só te entende.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Sábado a noite. Nem tão a noite assim, na verdade, estávamos na casa da Laurinha, eu, ela e o André, meu irmão por opção. E estávamos envelhecendo.
Envelhecendo sim, porque, sábado a noite é dia de entornar algumas cervejas, voltar para casa de madrugada, usar umas drogas, ouvir som alto até o chato do vizinho chamar a polícia, transar com alguém que você não vai se lembrar no dia seguinte, ou tudo isso na mesma noite! Mas nós estávamos em casa, comendo carne crua, bebendo coca cola, e pior de tudo, estávamos jogando Stop.
Alguém se lembra de jogar stop, quando menor? Bom, se você não se lembra, esqueça toda aquela infância que você acha que teve, por que se você não jogou stop, infância você também não teve (seu caso se agrava caso você nunca tenha assistido Rei Leão).
Nesse caso, talvez nem estivéssemos envelhecendo, e sim rejuvenescendo. Se bem que, no processo de envelhecer, os adultos sempre tomam mais vinho, fumam menos cigarro, esquecem da maconha, e sim, voltam a jogas stop e andar de bicicleta. Coisa de velho.
Nem teria sido um acontecimento marcante para mim se tivéssemos nos restringido a jogar nosso bom e querido stop. Mas fazer qualquer coisa com o André passa a estar sem restrições, e a qualquer momento ele pode engatilhar e disparar para cima de você uma de suas barbaridades. Não que ele seja burro, de forma alguma, em sentido nenhum. Mas o cara confunde um pouco as coisas, e fala na lata, não perde muito tempo ensaiando para falar. E esse dia não foi exceção.
Animal com "n". Eu estava travado no animal com "n", e eu vi que a Laurinha também estava. Não foi difícil perceber, alias, porque da sua descompensada fúria competitiva transbordava uma angústia de não saber alguma palavra. De canto de olho, eu vi que ela buscava nas profundezas da sua memória algum animal com "n". Menos mal que ela também não soubesse. O andré demonstrava tranquilidade.
Foi quando ele disparou:
- Eu to em dúvida no animal com "n".
Eu não acreditei que ele sabia um!
- Se eu falar qual eu to pensando, vocês juram que não colocam?
Eu já tava era de saco cheio daquele jogo, odeio pressão para cima de mim. Eu jurei, a Laurinha relutou mas jurou também. E eis que veio a pergunta.
- Ninfeta é animal?

Um remorso me tomou conta. Um imensurável arrependimento de, em outra rodada do jogo, quando tive que escolher um animal com "a", ter optado pela anta.
Devia ter optado por "André".

terça-feira, 2 de novembro de 2010

O jornal me esqueceu

Dilma terá poder de fogo restrito para ampliar estatais.
Eleição legislativa nos EUA deve mudar rumos da política no país.
Fitipaldi acelera pelas ruas de São paulo.
Desvalorização do dolar.
Brasil vence porto rico no mundial de voley feminino.
Lula quer Mantega e Meirelles no próxio governo.

Mas o jornal esqueceu de avisar que eu estou sozinho.
Triste, disfarçadamente triste, e sozinho.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Volta

Será possível, Me diz
Ser singular o meu artigo
Se eu ainda não sei ser feliz
comigo, apenas comigo?

domingo, 31 de outubro de 2010

Eu e o trem

Eu a perdi por besteira. Os meus planos, meus pobres enganos, por besteira.
Não que tenha sido maldade dela, não foi. Foi só uma besteira.
Não me importa que eu tenha tido os meus gastos nesse tempo tão breve, pelo contrário! Eu só fico com um remorso prévio, por todos os gastos que eu queria ter no futuro. Os restaurantes, que eu planejei leva-la, quando minha mesada se acumulasse no suficiente. Nos parques que eu me lembrei que ia quando criança, e que ela certamente adoraria. Eu queria muito ir com ela ao boliche, ao aniversário da minha avó, que tem estado muito mal e não lhe restam muitos, ao revéillon que eu pretendo passar na fazenda do meu melhor amigo e que as cinco da manha eu a acordaria de surpresa para tirar leite das vacas, acompanhados pelo caseiro das mãos docemente encardidas.
Mas ela tomou seu caminho contrário ao meu, e foi por besteira.
Eu não me arrependo de ter viajado com ela aquela vez, para Minas Gerais, e nem me envergonho de ter vomitado pela janela todo o vinho que eu ingeri por ser afobado. Eu só fico aflito em pensar em todas as viagens que eu programei no meu íntimo. Campos do Jordão, Gramado, Jalapão, Buenos Aires, Califórnia, Guaruja, Garopaba. Todas as pousadas cuidadas por um casal qualquer de aposentados contentes da vida, os albergues, os resorts, os motéis. Mas não existem mais viagens, e não existem por besteira.
Eu não me arrependo de ter sido inconveniente com piadas fora de hora, nem com as mazelas que eu usei me referindo aos ídolos dela, nem com a minha impaciência ao telefone. Eu me arrependo de não ter curtido com mais gosto todos esses pormenores. Mas esses pormenores agora são menores ainda, afinal, ela resolveu continuar sem mim, pautada numa besteira.
Não que eu queira diminuir tal "besteira", não é o caso. Talvez eu tenha que reajustar meus valores para admitir melhor o que é ou não perdoável, e assim poder medir melhor as consequências. E eu me proponho a enfrentar esse dilema, com qualquer força minha.
Por que?
É puramente por que o amor que eu mais depositei confianças me deixou, e de recordação eu tenho uma foto. Uma foto apenas. Sentados no caminho entre Ouro Preto e Mariana, num trem velho que me fez gelar de medo. E nós sorriamos, sorriamos com gosto, com uma inocência que eu sei que eu ainda guardo, e que posso transmitir a essa moça, com total dedicação. Uma foto apenas.
E aquela aliança que eu mais tive esperanças vai para o fundo da gaveta sem nem ter o nome dela gravado. Sem nem ter o seu nome gravado. E ela vai junto com aquela foto, aonde nós sorriamos no trem. Esse trem que agora, me leva sozinho, por conta de uma besteira.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Quase pressão alta.

Feita a digestão, depois de almoçar qualquer coisinha que a Vivi fez para mim, eu tomei meu rumo até a Auto Escola. Sim! Finalmente eu estou incluído nesse processo que sacramenta a minha esperada maioridade. Afinal, bebida, cigarro, pornografia eu já podia comprar, já podia ser preso, já podia votar, entrar em qualquer sessão de cinema, tudo! Mas dirigir tranquilamente, até completar 18 anos, é muito difícil. Ou muito perigoso.
Nesse dia, especificamente, eu ia fazer o exame médico.
Eu esperei cinco minutinhos, como é regrado em consultórios. Eu nunca entrei em um consultório que me encaminhasse da recepção direto para a sala do médico,nunca! Os cinco minutinhos sempre foram requisitados como que sendo um teste de paciência, ou um mero ato protocolar. E como eu tinha que esperar os cinco minutinhos, eu fui um bom "esperador", e fiz o que é digno de todos os "esperadores" que esperam em salas de espera pelo mundo todo: Abri uma revista antiga, com um imenso carimbo na capa, e fiquei lendo a legenda das fotos. É tudo que cinco minutinhos nos permitem fazer.
O médico não veio me chamar, a própria recepcionista me indicou a primeira sala a direita. O que era curioso, porque na parede da direita só havia uma sala. Enfim, obedeci submisso.
O médico olhou bem de perto o papel, e identificou meu nome. Aquele clima de um profissional que nem me conhece me examinando me da uma angustia sem igual, a sensação de que ele realmente não se importa se eu estou bem, nem pergunta como vai a familia, tampouco fala sobre a dele. Esses médicos que atendem qualquer um, e que não tem qualquer espécie de intimidade com o próprio consultório: nem um porta retrato, ou um porta canetas que o filho mais velho fez quando ainda era criança, ou uma pilha de livros que ele nunca leu, mas impressionam muito. Nada! Como se usasse a sala de outra pessoa que ele nunca conheceu.
Mas deixemos de lado minhas desconfianças emocionais. Ele não me convidou para sentar.
Exame de vista, reflexos, movimentos. Mostra a canela, encosta na ponta do nariz, outra mão, levanta a perna, agora a outra, leia isto pra mim, outro olho, leia a de baixo, pula flexionando os joelhos, pra dirigir vai ter que cortar esse cabelo.
Só ele falou, e muito. Isso tudo demorou mais ou menos um minuto e meio.
- Deixa o braço relaxado - e colocou um aparelinho de tirar pressão, um eletrônico, no meu punho. - Algum caso de pressão alta na família?
Eu respondi orgulhoso:
- Nada, doutor.
- Só você?
O que?! Eu não, rapaz! Que história é essa? Ele tomou um leve susto com minha surpresa, levou os óculos recostados na ponta do nariz até os olhos, e pegou aquele velho instrumento manual para se tirar a pressão. Aquele que ele aperta aquela pequena bexiga de ar, e nosso braço vai sendo esmagado por uma espécie de cinta. Com o estetoscópio ele acompanhou meus batimentos.
- Negativo, ta tudo certo.
Meu alivio foi instantâneo, como se tirassem uma bigorna de cima do meu pé.
- Você fez exercícios físicos antes de vir, filho?
- Vim andando para cá doutor.
- E antes?
Eu refleti, tentando me lembrar.
- Me masturbei.
Ele não se alterou, nem minimamente. Suas pálpebras ainda estavam caídas, os olhos baixos.
- Se masturbou e veio andando?
- Foi.
Pausa. Ele carimbou com força a minha ficha.
- Então ta dispensado.

sábado, 16 de outubro de 2010

Inventando lembraças.

Ela apertou o meu braço com força. Ela ria muito, batalhando para não rir, e ainda assim acabando-se em gargalhadas fartas, longas, daquelas que esvaziam os pulmões e se encerram com um longo suspiro de angustiada alegria. A angustia de quem ri das cócegas forçadas. Mas naquela hora não eram cócegas. Eu pisei com força no acelerador do carro, em ponto morto, só para fazer barulho. Só para assustar. E ela assustou mesmo, mas ria aquele riso de quem confia no outro apesar da cagada que está se fazendo.
Eram 3 da manhã, a avenida Brasil estava vazia, descontados alguns indigentes que fumavam crack numa rodinha, como um encontro de amigos, como fumar socialmente. O carro nem ia rapido, mas sem nenhum outro carro para servir de parâmetro, os postes que ficavam para trás davam a impressão de estarmos dentro duma nave. Ai que eu perguntei, enquanto ela acendia um careta. Sabe cantar o hino? Ela fez que sim com a cabeça. Eu abri o vidro do lado dela. Então canta.
Não hesitou nem um segundo.
Ela cantou o hino.
E eu fui em direção a rua Augusta para aborrecer umas prostitutas.

Presente inédito

Eu procuro palavras bonitas
Pra contar pra você como é que me sinto
E na hora de desabafar
Eu fraquejo, gaguejo parece que minto

E você me olha curiosa
Esperando uma rosa e palavras de amor
O que eu tenho é uma bossa nova
E uns restos de flor

Eu ensaio uns versos manjados
Pra quem sabe até te impressionar
Ja ouviu de outros namorados
E ainda assim me convence chorar

Ja te leram tanta poesia famosa
Tantas flores foram as que você recebeu
Mas eu sei que uma bossa nova
Ninguem nunca te deu.


Um presente inédito para o meu amor maior, meu maior amor. A bossa nova da minha vida.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Política e suas pornografias.

Eu vinha dentro do ônibus, de pé. O ônibus não estava cheio, mas eu vinha de pé.
O meu polegar estava encaixado entre as paginas da maravilhosa obra do Milton Hatoum, escritor manauara, e com uma mão só, eu vinha para casa lendo. De pé.
Eu demorei para perceber que, no degrau perto de mim, estava sentado um rapaz, de pés calçados com um chinelo porco, as unhas dos pés encardidas denunciavam algum sinal de mizéria, e era muito educado. Tratava as pessoas que passavam pelo lado dele, pedindo licença, por "senhor" e "senhora".
Envolvido pela minha leitura eu demorei para perceber que ele estava acompanhado de um senhor que estava sentado, no acento cedido bondosamente por alguém. O senhor, diferente do rapaz, era bem negro, com um bigode espesso e largo, que lhe cobria o lábio superior, parecendo uma daquelas escovas de engraxar sapato que ficam sempre guardadas na ultima gaveta de algum lugar inútil, e que a gente só usava para brincar, quando era criança.
Eu admito que meu instinto intrometido falhou, e eu não pude ouvir a conversa deles. Eu estava realmente infiltrado na minha leitura. Mas como é hábito meu, guardei o meu livro na bolsa alguns minutos antes de descer do ônibus. Aí sim comecei a prestar atenção.
Até que o rapaz me olhou e comentou o aumento do preço do ônibus prometido pelo Kassab. Dois reais e noventa centavos, previstos para dezembro, de fato, absurdo.
- Eu não tenho nem pros dois e setenta! Entrei pela porta de trás. - reclamou o menino, enquanto o senhor olhava mudo pela janela, chupando os lábios, como fazem os velhos. Eu brinquei com o menino:
- Ao invés de pagar passagem, eu junto o dinheiro que eu gastaria em um mês e compro meu próprio ônibus.
Ele riu pouco. Nem foi engraçado mesmo. Mas ele sorriu gostoso pela atenção. Daí ele se dirigiu ao velho:
- Que saco essas eleições pai! Não vai nem poder beber domingo!
O pai continuou olhando pela janela.
- E nem sei em quem votar pra deputado, vereador, essas "coisa".
Daí foi a vez do menino ficar olhando pela janela, e falar alto, sem se dirigir a ninguém, mas falando alto:
- Acho que vou votar nessa gostosa aí!
Estava chegando meu ponto, e eu queria saber que gostosa era essa! Não conseguia ver a placa com a foto. E ele atiçando:
- Nossa! É nessa gostosa mesmo que eu vou votar.
E foi aí que a placa veio chegando mais perto. O número era grande e a placa vermelha.
133, Marta Suplicy.
Falta de critério, de cidadania, de eleitorado consciente. Mas podia ser pior.
Podia ser a Erundina.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

A graça da "flor jornal"

Assim que amanhecia o dia, vinha da cozinha o som do jornal, que triscava a porta, se arrastava lentamente por esta, até que repousava no tapete velho da entrada de serviço. A porta da escada se ouvia fechar devagarinho, tranquila como a manhã do Brooklin, e o zelador baiano se arredava na ponta dos pés. Mal tinham se apagado as luzes do hall, que clareavam as frestas ao redor da porta, e meu pai já estava a caminho. Abria a porta com o cuidado paterno de não acordar esposa e filha que ainda dormem. Eu, tomando café, sempre assistia.

Meu pai pegava o jornal como quem colhe uma flor.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Curiosidade de terceiro mundo

Meu pai me contou essa história quando eu era mais menino. Nunca me esqueci! Meu pai alimentou meu tesão pela critica, sem querer.
Os dois eram brasileiros. Alto escalão de uma multinacional, de passagem em Miami, a trabalho.
Qual lugar pode acolher melhor um brasileiro que Miami? Nem na casa de nossa mãe podemos nos sentir tão em casa. E eles se sentiam em casa.
O terno e a gravata ficaram no quarto do hotel, junto com a formalidade. Eles estavam na orla da praia, só os dois. Aproveitavam uma das melhores situações que se pode experimentar: falar alto, qualquer coisa, sem que ninguem entender porra nenhuma. A tão sonhada liberdade de expressão! Comentavam os biquinis e os topless, esbravejavam seus palavrões preferidos, falavam sobre o assunto da mesa ao lado!
E pediram cerveja, na beira da praia, em Miami beach. Um sol de rachar a cuca, sol carioca mesmo! Até perguntaram pela caipirinha, que os gringos nem suspeitavam como fazer. Um até tentou arriscar, em vão. Serviu suco de limão amarelo com meio quilo de açucar e uma dose exagerada de vodca, e o drink não teria mesmo outro destino que não fosse o canteirinho ali perto do quiosque, aonde o brasileiro cuidadosamente disfarçou enquanto derramava aquele veneno. Iam beber cerveja mesmo, porque cerveja, graças a deus, é sempre a mesma coisa em qualquer lugar. Especialmente depois da quinta!
Ja quase de saida, um deles chamou a atenção do outro. Apontou para o outro lado da larga avenida, um cego, sentado num banquinho alto, com uma pilha tambem alta de jornais ao seu lado. Ainda ao lado da pilha de jornais, estava uma cestinha. Observaram curiosos.
Passou um homem ao lado do cego, apressado, pegou um jornal, do bolso, tirou um dinheiro pouco e contado, depoistou na cestinha, e saiu. O cego só sorriu.
Passou um outro homem, terno e gravata, pegou um jornal do topo da pilha, deu bom dia para o cego, deixou uma porção de moedas na cestinha e saiu.
Mais um rapaz foi em direção ao ceguinho, pegou um jornal, e tirou da carteira uma nota. Sabe-se la de quantos dolares, mas era uma nota. Colocou a nota na caixinha, pegou umas moedas, e saiu. Dai eles não acreditaram!
-Porra! Voce viu isso? O cara fez o próprio troco!
Foram até o cego. Ambos falavam um ingles perfeito. Falaram em ingles. Deram bom dia para o cego, viram que ele ja tinha certa idade. A barba grossa era grisalha, que contrastava com a sua pele bem preta. O seu cabelo estava todo dentro de uma grande touca que, apesar de rustica, era muito bem custurada com linhas grossas. Perceberam que o vendedeor de jornais era simpaticissimo.
- Mas o senhor não tem medo que alguem pegue um jornal?
O velho pareceu nao entender muito bem. Respondeu calmamente:
- Oras, claro que não! O jornal ta ai para as pessoas pegarem!
Ele nao tinha entendido mesmo.
- Digo, se o senhor nao tem medo que alguem pegue um jornal e saia sem pagar.
- Sem pagar o jornal? - o ceguinho enrugava a testa, sem entender o que o extrangeiro falava.
- É! Pegar um jornal, chacoalhar a cestinha só para fazer barulho, e sair sem pagar.
Dai o cego entendeu, e pareceu indignado.
- O senhor fala em me roubarem?
- É, exatamente.
- Roubarem um jornal meu?
- Isso, pegarem sem o senhor ver.
O cego parecia não acreditar. Depois de um silencio meio constrangedor, ele perguntou, depois de hesitar um bocado:
- De onde vocês são?!
A vergonha veio como uma flechada. Não sabia o que dizer. Pensou alguns instantes, com o rabo no meio das pernas. Agradecia pelo cego nao poder ver sua cara de derrota. Mas sem deixar de lado seu instinto brasileiro, respodeu convicto:
- Argentina. I'm from Argentina.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Da novela eleitoral

Começou ontem a nova temporada televisiva da corrida pela conquista do eleitorado. O horário eleitoral gratuito não é o passatempo predileto da grande massa, tampouco é o meu. Mas como todo bom chato, me preparei cuidadosamente para assisti-lo. Enchi um copo de refrigerante, abri um pacote de Doritos, apaguei a luz e pronto! Liguei a TV.
Nos primeiros dez minutos já havia me arrependido de não ter pegado também um Engov.
Não quero entrar em detalhe sobre os programas eleitorais em si, mas já estou entrando. A impressão que ficou é que mais previsível impossível. Procurarei ser breve.
O tucano José Serra, (ou como ele mesmo prefere ser denominado, num ato desesperado por intimidade e de aparente carisma), o “Zé”, prendeu-se quase que exclusivamente ao tópico “saúde”. Não pude deixar de me lembrar do Plínio Arruda, que destacou brilhantemente que Serra, o seu Zé, deve ser o maior hipocondríaco do país.
Depois Dilma Rousseff deixou claro que, se possível fosse, deixaria a barba crescer, arrancaria um dedo, e seria Lula em pessoa. Ficou até exagerado o apelo da ex ministra vinculando-se com a imagem do Presidente. Não sei, sinceramente, quem apareceu mais. Eu estava ansioso mesmo para ver a abordagem que seria feita sobre a prisão da candidata no período militar. Uma passagem de cinco segundos foi dedicada ao caso. E ponto final.
Marina silva não foi mais surpreendente. Dedicou todo o seu tempo com clichês sobre o fim do mundo conseqüente da má preservação do meio ambiente. Claro que o tema é de real importância, mas só isso?! E as propostas? Que a preservação vai mal eu já sei, mas e o que será feito? E as outras deficiências sociais?
Não bastasse a minha indignação, os outros presidenciáveis, em suas insignificantes coadjuvações, gastaram seu breve espaço midiático chorando magoas e insatisfações com o trio de candidatos principais.
Sem agressões diretas, sem revelações, sem propostas objetivas, a corrida eleitoral parece continuar sendo um joguinho de comadres inseguras.
E assim que o programa eleitoral teve fim, alguém gritou lá da cozinha:
- Começou a novela?
E eu respondi baixinho, para mim mesmo:
- Acabou de terminar.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Espera

Eu te espero quase um ano
Você chega qual cigano
Vem num dia, vai no outro

Me faz juras que regressa
Mas conheço tal conversa
Só te pego se te encontro

Acontece que quando voltas
Já me chega pelas costas
Me ataca com covardias

Me ganha no corpo, no lero
E no fim das contas te espero
Outro ano contando os dias.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Senhor não! "Senhorzinho"

A genial idéia de ir ao estádio de futebol numa quarta feira, sete e meia da noite, no dia que, eu vim descobrir mais tarde, foi o mais frio do ano, foi do Eduardo. A ainda mais genial idéia de ir de ônibus, foi minha. Mas fomos! Embaixo de chuva.
Já reparou como todo mundo no ponto de ônibus sabe o que esta fazendo? Sabe para onde vai, como vai. Existe uma certeza inconfundível na expressão amena de todos no ponto de ônibus, tanto que nem me sinto a vontade pedindo informações. Mas não teve jeito, tive que pedir. E pedi ao primeiro, claramente convicto, rapaz que vi. E é claro que ele não teve duvida! Como poderia, alguém no ponto de ônibus ter duvida? De forma alguma! Ele me respondeu certeiro: “Paulo VI”.
Porra, ele não pensou nem um segundo. Reperguntei:
- Esse Paulo VI para na frente do estádio do Morumbi? – mas me arrependi imediatamente. Agora com tempo para pensar, ele quis dar o roteiro todo, explicou até alternativas. Eu concordei com tudo, deixando claro ter entendido. E nem precisava entender. Parando na frente do estádio tava ótimo!
Eis que, ao ver interrogações no ar, chega um “senhorzinho”. “Um” não! “O” senhorzinho. O artigo definido é mais adequado, afinal, mais peculiar do que aquele senhorzinho, é difícil de encontrar.
Veio se aproximando devagar. O cabelo bem branco. Branco como o cigarro seguro nos lábios. E deu um show de “como ser um senhorzinho”. Não era sério o bastante para ser “senhor”, nem antigo o bastante para ser “velinho”. Era simplesmente o típico “senhorzinho”. E eu saquei isso num instante. O que o denunciou logo de cara foi ele vindo dar uma de entendido. É incrível como todos, dessa respeitosa espécie dos “senhorzinhos”, adoram dar uma de entendidos. E eu adoro.
Não cumprimentou, nem nada. Mas com um ar de bom vovô, ele veio apontando para uma porção de lados, descrevendo caminhos que eu não entendia. Com a mão, ele gesticulava indicando curvas, subidas e descidas que eu nem sonhava onde ficavam, movimentando-se como um maestro. Também falou o nome de uns dois ônibus que eu não sonhava para onde iam. Eu só confirmei:
- O Paulo VI vai? – E ele falava e ressaltava, confirmando com a cabeça, para cima e para baixo.
- Vai! Claro! Eu também vou nele.
E eu parei um pouco de prestar atenção. Ele também se afastou um tanto, para fumar em paz seu cigarrinho. Comecei então a reparar no senhorzinho. Com um bonito, mas visualmente antigo paletó marrom, de um tecido estranho, de fios grossos. A camisa era também marrom, mas essa com estampa idêntica a de um antigo sofá, da antiga casa de minha avó. A gravata preta também era ilustrada com a mesma estampa. Brega. Elegante, mas brega. Estilo senhorzinho. Chegou o ônibus.
Lotado de gente. Gente saindo pelo ladrão! (meu sonho é saber o porque dessa expressão). O senhorzinho ficou na parte da frente do ônibus, perto do motorista, enquanto eu e o Du (com seus delicados 1,90m de altura) nos embrenhávamos por entre as pessoas até as proximidades da porta. Antes de sairmos, o senhorzinho ainda avisou que já era hora de descer, e acenou brevemente, e sorrindo bateu uma continência, assim como é digno de todos os “senhorzinhos”.
Depois da chuva, do frio, do transito, do ônibus lotado, da derrota do São Paulo para o majestoso Havaí, eu me pergunto: O que me valeu de tudo isso?
Uma apertada e deliciosa saudade daquele antigo sofá, da antiga casa da minha avó, aonde passei tanto da minha infância. E uma confortável e emocionante sensação de que jamais vou esquecê-lo.



Ps. não suportei a curiosidade. (Nem sustentei a ignorância)
Ladrão é o escoadouro de barragens e caixas d'água por onde a água escoa automaticamente quando o nível atinge um certo limite de segurança.
Quando se diz que algo está "saindo pelo ladrão" significa que algo está tão cheio ou existe em tanta fartura que está "botando pra fora" aquilo que está excedente.

sábado, 3 de julho de 2010

Poeminha de criança

Se o primeiro homem que viu uma laranja
Por qualquer motivo, abrisse ela
Essa, não se chamaria então "laranja"
Chamaria-se "Amarela"!

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Poeminha sem sobrenome

Brevemente, para meu amigo Pessoa


"Por vezes penso que o sobrenome não mente
(e neste caso, minha desvantagem é indiscreta)
Oras! Meu sobrenome é de presidente
O seu, amigo, é de poeta!"



Um grande beijo.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Lembrei de Vinicius

O poeta que me perdoe.

Para viver um grande amor é preciso querer estar junto, e ainda que separados, ser um conjunto, para viver um grande amor. É preciso querer mais que só o gozo - se não, fica o amor ocioso – sem fervor. É preciso ser fértil mas amistoso, ser objetivo porém cauteloso, para viver um grande amor.
Ajuda ser bom conhecedor da noite, afora os bares, um bom bistrô. Elegante é saber ser moderno, e na certa ocasião não arrisque, opte por um terno – de veludo para o inverno! – para cobrir seu grande amor. Tem que ser discreto o ciúme, (claro, o doentio nunca se assume), e se não tem ciúme: arrume! Para proteger o seu amor.
Não se esqueça jamais de manter sempre em vista, a dedicação dos tempos da conquista, para a amada saber sempre que exista as novidades e as ternuras do primeiro amor. Não te faz mal algum estar, por vezes, a paisana, e para surpreende-la é tiro e queda: uma só rosa – rosa colombiana – para viver um grande amor.
Claro, tem que saber fazer caipirinha, (mas beber sem perder a linha), e ter boa mão na cozinha, para agradar o seu amor. É também precavido, e é bem indicado, ter sempre um bom vinho guardado, (suave, chileno), para acompanhar o que com cuidado se prepara para servir o amor. Durante o preparo, não menospreze ajuda, não é nunca bom a amada muda, pode turvar um pouco o amor. Para mostrar delicadeza, é elementar, não deixar nunca que ela tire a mesa, e mantenha sempre uma vela acesa, uma chama que é pra dar calor! Pois é de chama que deve estar repleto, esse vão que você faz completo, essa luz entre você e o amor.
Além da boa gastronomia, é necessário saber – nem que o mínimo – de astronomia, afinal, qual mais bela poesia pode haver que a do céu para o amor? Não é difícil identificar o amor, mas sim vive-lo, pois a “boca na boca”, o “pêlo no pêlo”, é coisa rasa, de amador. Pode ser breve, mas sempre terno, seu grande amor. E embora esse parta em boa hora, que vá embora sentindo, que para o resto da vida pode ser bom amigo, mas que em certo instante foi um infinito – um grande amor!
Para viver um grande amor, não há lá grande segredo, é importante se entregar sem medo, sem esconder jamais seus vícios, e se necessário, imitar Vinicius. Para viver um grande amor.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

O mais sincero dos argentinos.

A maldita da vendedora me deu o sapato errado.
Aliás, perdão pela ofensa à moça, normalmente eu jamais a colocaria como “maldita”. Acontece que eu comprei um sapato 43 e ela me entregou o 42. Pior de tudo: Eu estava em Buenos Aires e não sei falar uma palavra em espanhol! Tudo bem, uma ou duas palavras eu falo, um “si” ou um “no”, (no fim aprendi a elogiar alimentos, com um garçom especialmente simpático: “Mucho rico”! Assim eu declarava meu gosto pelos deliciosos pratos do Porto Madero). Isso é tudo.
Claro que enganos acontecem, afinal, todos somos falíveis. Eu inclusive, que não verifiquei a caixa que me foi entregue. Sou naturalmente atrapalhado, e ainda por cima existe a peculiaridade de que na Argentina não adianta apenas digitar a senha do cartão de crédito, para falar a verdade, nem se digita a merda da senha! Não tem jeito, tem que assinar a notinha. Como se não bastasse, tem que por o numero do documento, esse incomodo rótulo que me deram quando eu era pequenino, e que eu nunca tive a decência de decorar.
Mas foi realmente um incomodo colocar o sapato, já no quarto do hotel, e descobrir que aquele número jamais me serviria.
Eu não tinha lá muitas opções. Ou eu levava para São Paulo o micro sapato que estava pela metade no meu triste pé, ou eu voltava na loja para trocar. Decidi voltar.
Aproveitei algum momento entre o fim da tarde e o começo da noite, enquanto o pessoal descansava do almoço (e do vinho), e chamei um taxi. A história da troca do sapato é insignificante. Mera desculpa para eu contar a história do taxi.
O carro chegou ao hotel, metade preto, metade amarelo, como são os taxis de Buenos Aires. O motorista também era meio preto, meio amarelo. A pele oleosa, amarela. A barba mal feita, preta. Mas o sorriso dele prometia que a curta viagem até a loja, na santa fé - loja que, por sinal, fica ao lado de um fenomenal barzinho – seria pelo menos simpática. E foi.
O taxista era jovem, não tinha quarenta anos. Educado, elogiou o Brasil logo de inicio. Perguntou sobre São Paulo, de nossas “chicas”, nossas noites, até nossa música. Me lembrou que haveria um show de “um tal de Gil”.
- Um negrinho muito tranquilo. – me descreveu assim, Gilberto Gil.
Nós não falávamos nem português, nem espanhol. O dialogo se deu numa mistura ridícula dos dois idiomas, mas que incrivelmente funcionou. Eu sabia umas palavrinhas da língua dele, ele sabia umas da minha língua. Assim conversamos, devagar, falando língua nenhuma. Eu entendendo em português, ele entendendo em espanhol.
O curioso fato se deu – e eu sabia que se daria – assim que estávamos chegando. O clima amigável parecia abrir espaço para aquele debate final. Talvez a questão mais marcante, mais digna de um típico brasileiro ao lado de um típico argentino. Já estávamos encostando na santa fé, e começamos o tal dialogo, naquela língua estranha, que em português seria mais ou menos assim:
- Me fala a verdade, Pelé ou Maradona? Quem jogou mais? – O argentino me perguntou, gozador, já se preparando para discordar de mim, afiando a língua para argumentos toscos! Mas eu resolvi brincar com ele, fingi uma cara de dúvida. Com toda a solenidade do mundo eu peguei o malandro no contra pé:
- De verdade mesmo? – eu respondi – Prefiro Don Diego.
Pronto, foi tudo que eu disse, já metendo a mão no bolso para alcançar minha carteira. Ele que já tinha estacionado o carro, se voltou para trás, com um sorriso meio sem graça. Frustrei sua brincadeira né "hermano"? Resolvi levar a sério, com firmeza. Ele indignado:
- É sério?
- Claro.
Finalmente ele se vira para frente, quando eu já abria a porta do carro.
Nem se despediu. A última coisa que eu ouvi aquele quase folclórico argentino dizendo, pasmo, foi um sincero:
- Eu não acho.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Ele ta perdoado

Ele traz cada coisa tão linda
Traz roupas, traz jóias, e espalha
Toda aquela tralha na cama
E ainda que seja um canalha
- tem horas que agente se ama!

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Maria de Malandro

Maria, de sem jeito tu te cora
Faz que chora
Eu te enfeito,
E me namora
Sem vergonha
Faz que sonha o meu respeito,
Maria.

Quando cai a noite, vem da rua
Vem e sua
No meu peito
Depois farta, se arruma
Ruma, parta
Do meu leito,
Maria.

Maria não quero ser ingrato
Tampouco ser conservador
Mas é que a cama que a gente deita
É também a cama do meu amor!

oh, maria

domingo, 13 de junho de 2010

Aonde foi que eu larguei aquele boné colorido?

Há quanto tempo eu não via um boné colorido? Eu mesmo tive uns, e ainda me lembro.
Meus pais me levavam na Fundação Oscar Americano, no Morumbi, perto do palácio. Poucas coisas me faziam tão contente. Árvores de todos os tipos, descendência e tamanhos. As mais ilustres árvores eram identificadas com pequenas placas, com nomes científicos que eu tentava insistentemente pronunciar. Também nas plaquinhas, eu me lembro que vinha o dado mais importante: a idade. E eu achava magnífico árvores centenárias! E tinha uma em especial que me fascinava. Não faço a mínima idéia do nome desta, e hoje provavelmente eu demoraria para encontrá-la, aliás, é mais provável que eu nem a encontre. Mas era majestosa, pomposa, imponente. E era centenária. Já na época eu imaginava quantas e quantas pessoas não haviam passado por lá. A árvore testemunhara de tudo, eu imaginava. Uns romances, ou o fim destes. Umas boas leituras. Imaginava também quantas urinadas! Hoje penso no sexo e nos baseados. Cem anos! Não é possível que a arvore não tenha ouvido uns bons gemidos. E umas longas risadas.
E hoje eu sinto falta desses momentos. Sinto mesmo! A molecada vai passear no Parque do Ibirapuera. Pois bem, é até divertido. Passeios de bicicleta, caminhadas e tudo mais. Mas não é a mesma coisa. É muito quiosque de sorvete, muita gente, uns carros, uns seguranças. Antro de drogas também. Você acha que não? Tenho certeza que sim. Não tem o mesmo romance, o mesmo clima, pacato, sereno. Eu me lembro do meu pai na Fundação. Lembro que ele lia uns livros enormes, sentado ali no meio das árvores, com as pernas cuidadosamente cruzadas, o livro cuidadosamente seguro em apenas uma mão. Enquanto eu passava a tarde ali, sonhando mil coisas. Em silêncio.
O meu desabafo é por que estou no parque Trianon. Faz algum tempo que a serenidade desse parque, que tangencia a caótica Avenida Paulista, tem me atraído quase que periodicamente. Resolvi pegar o metrô, e vim escrever sobre fidelidade partidária e as contradições da oposição. Chato né? Você não acha? Acha sim.
E foi agora a pouco que passou um garotinho por aqui. Mochila nas costas, uniforme do colégio. Passou rindo, o menino. Mas antes de cruzar comigo, bem antes, eu assisti o garoto parar no meio da larga passagem do parque, e saltar algumas vezes, tentando alcançar com as mãos um galho de uma árvore. Uma árvore cujo nome eu não faço a menor idéia qual é, mas que a beleza chama a atenção mesmo. Merece uma plaquinha.
Sem sucesso, o menino não fechou o sorriso e correu sei lá para onde. Não deu a menor importância por não ter alcançado o tal galho, que se punha muito mais alto do que ele poderia alcançar. Foi embora. De bonezinho colorido.
Por um instante eu me tomei de meninice.
Sei lá por que tive uma certeza. Naquele momento tive uma plena certeza.
Aquele menino era eu.

Recuperado

Sabe o que acontece? Não é que não tive tempo, nem que não tive vontade de escrever. Pelo contrário. Estou farto de tempo e de vontade. Mas minha memória não ajuda. Fazer o que, não é?
Então está resolvido e combinado o meu regresso! E não estranhem temas diversos. Seja pela arte ou pela política, pela crítica ou pelo relato, pela informação ou pela opinião, pouco importa. O breve instante de pensar não se limita a tema nenhum.
Não me limitarei, então.