Eu vinha dentro do ônibus, de pé. O ônibus não estava cheio, mas eu vinha de pé.
O meu polegar estava encaixado entre as paginas da maravilhosa obra do Milton Hatoum, escritor manauara, e com uma mão só, eu vinha para casa lendo. De pé.
Eu demorei para perceber que, no degrau perto de mim, estava sentado um rapaz, de pés calçados com um chinelo porco, as unhas dos pés encardidas denunciavam algum sinal de mizéria, e era muito educado. Tratava as pessoas que passavam pelo lado dele, pedindo licença, por "senhor" e "senhora".
Envolvido pela minha leitura eu demorei para perceber que ele estava acompanhado de um senhor que estava sentado, no acento cedido bondosamente por alguém. O senhor, diferente do rapaz, era bem negro, com um bigode espesso e largo, que lhe cobria o lábio superior, parecendo uma daquelas escovas de engraxar sapato que ficam sempre guardadas na ultima gaveta de algum lugar inútil, e que a gente só usava para brincar, quando era criança.
Eu admito que meu instinto intrometido falhou, e eu não pude ouvir a conversa deles. Eu estava realmente infiltrado na minha leitura. Mas como é hábito meu, guardei o meu livro na bolsa alguns minutos antes de descer do ônibus. Aí sim comecei a prestar atenção.
Até que o rapaz me olhou e comentou o aumento do preço do ônibus prometido pelo Kassab. Dois reais e noventa centavos, previstos para dezembro, de fato, absurdo.
- Eu não tenho nem pros dois e setenta! Entrei pela porta de trás. - reclamou o menino, enquanto o senhor olhava mudo pela janela, chupando os lábios, como fazem os velhos. Eu brinquei com o menino:
- Ao invés de pagar passagem, eu junto o dinheiro que eu gastaria em um mês e compro meu próprio ônibus.
Ele riu pouco. Nem foi engraçado mesmo. Mas ele sorriu gostoso pela atenção. Daí ele se dirigiu ao velho:
- Que saco essas eleições pai! Não vai nem poder beber domingo!
O pai continuou olhando pela janela.
- E nem sei em quem votar pra deputado, vereador, essas "coisa".
Daí foi a vez do menino ficar olhando pela janela, e falar alto, sem se dirigir a ninguém, mas falando alto:
- Acho que vou votar nessa gostosa aí!
Estava chegando meu ponto, e eu queria saber que gostosa era essa! Não conseguia ver a placa com a foto. E ele atiçando:
- Nossa! É nessa gostosa mesmo que eu vou votar.
E foi aí que a placa veio chegando mais perto. O número era grande e a placa vermelha.
133, Marta Suplicy.
Falta de critério, de cidadania, de eleitorado consciente. Mas podia ser pior.
Podia ser a Erundina.
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
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fui um dos poucos que pode ouvir essa de tantas lindas outras coisas que deste belo e querido menino. cansaria-me de ter de lhe elogiar por cada texto, frase, palavra ou suspiro. simplesmente gostaria de lhe dizer que "...me deitei, acendi um cigarro tomando um café que eu mesmo preparei e me pus a pensar nas mulheres em que amei"!
ResponderExcluirparabens! bjos! te amo! Luis Palomares