quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Quase pressão alta.

Feita a digestão, depois de almoçar qualquer coisinha que a Vivi fez para mim, eu tomei meu rumo até a Auto Escola. Sim! Finalmente eu estou incluído nesse processo que sacramenta a minha esperada maioridade. Afinal, bebida, cigarro, pornografia eu já podia comprar, já podia ser preso, já podia votar, entrar em qualquer sessão de cinema, tudo! Mas dirigir tranquilamente, até completar 18 anos, é muito difícil. Ou muito perigoso.
Nesse dia, especificamente, eu ia fazer o exame médico.
Eu esperei cinco minutinhos, como é regrado em consultórios. Eu nunca entrei em um consultório que me encaminhasse da recepção direto para a sala do médico,nunca! Os cinco minutinhos sempre foram requisitados como que sendo um teste de paciência, ou um mero ato protocolar. E como eu tinha que esperar os cinco minutinhos, eu fui um bom "esperador", e fiz o que é digno de todos os "esperadores" que esperam em salas de espera pelo mundo todo: Abri uma revista antiga, com um imenso carimbo na capa, e fiquei lendo a legenda das fotos. É tudo que cinco minutinhos nos permitem fazer.
O médico não veio me chamar, a própria recepcionista me indicou a primeira sala a direita. O que era curioso, porque na parede da direita só havia uma sala. Enfim, obedeci submisso.
O médico olhou bem de perto o papel, e identificou meu nome. Aquele clima de um profissional que nem me conhece me examinando me da uma angustia sem igual, a sensação de que ele realmente não se importa se eu estou bem, nem pergunta como vai a familia, tampouco fala sobre a dele. Esses médicos que atendem qualquer um, e que não tem qualquer espécie de intimidade com o próprio consultório: nem um porta retrato, ou um porta canetas que o filho mais velho fez quando ainda era criança, ou uma pilha de livros que ele nunca leu, mas impressionam muito. Nada! Como se usasse a sala de outra pessoa que ele nunca conheceu.
Mas deixemos de lado minhas desconfianças emocionais. Ele não me convidou para sentar.
Exame de vista, reflexos, movimentos. Mostra a canela, encosta na ponta do nariz, outra mão, levanta a perna, agora a outra, leia isto pra mim, outro olho, leia a de baixo, pula flexionando os joelhos, pra dirigir vai ter que cortar esse cabelo.
Só ele falou, e muito. Isso tudo demorou mais ou menos um minuto e meio.
- Deixa o braço relaxado - e colocou um aparelinho de tirar pressão, um eletrônico, no meu punho. - Algum caso de pressão alta na família?
Eu respondi orgulhoso:
- Nada, doutor.
- Só você?
O que?! Eu não, rapaz! Que história é essa? Ele tomou um leve susto com minha surpresa, levou os óculos recostados na ponta do nariz até os olhos, e pegou aquele velho instrumento manual para se tirar a pressão. Aquele que ele aperta aquela pequena bexiga de ar, e nosso braço vai sendo esmagado por uma espécie de cinta. Com o estetoscópio ele acompanhou meus batimentos.
- Negativo, ta tudo certo.
Meu alivio foi instantâneo, como se tirassem uma bigorna de cima do meu pé.
- Você fez exercícios físicos antes de vir, filho?
- Vim andando para cá doutor.
- E antes?
Eu refleti, tentando me lembrar.
- Me masturbei.
Ele não se alterou, nem minimamente. Suas pálpebras ainda estavam caídas, os olhos baixos.
- Se masturbou e veio andando?
- Foi.
Pausa. Ele carimbou com força a minha ficha.
- Então ta dispensado.

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