segunda-feira, 21 de junho de 2010

O mais sincero dos argentinos.

A maldita da vendedora me deu o sapato errado.
Aliás, perdão pela ofensa à moça, normalmente eu jamais a colocaria como “maldita”. Acontece que eu comprei um sapato 43 e ela me entregou o 42. Pior de tudo: Eu estava em Buenos Aires e não sei falar uma palavra em espanhol! Tudo bem, uma ou duas palavras eu falo, um “si” ou um “no”, (no fim aprendi a elogiar alimentos, com um garçom especialmente simpático: “Mucho rico”! Assim eu declarava meu gosto pelos deliciosos pratos do Porto Madero). Isso é tudo.
Claro que enganos acontecem, afinal, todos somos falíveis. Eu inclusive, que não verifiquei a caixa que me foi entregue. Sou naturalmente atrapalhado, e ainda por cima existe a peculiaridade de que na Argentina não adianta apenas digitar a senha do cartão de crédito, para falar a verdade, nem se digita a merda da senha! Não tem jeito, tem que assinar a notinha. Como se não bastasse, tem que por o numero do documento, esse incomodo rótulo que me deram quando eu era pequenino, e que eu nunca tive a decência de decorar.
Mas foi realmente um incomodo colocar o sapato, já no quarto do hotel, e descobrir que aquele número jamais me serviria.
Eu não tinha lá muitas opções. Ou eu levava para São Paulo o micro sapato que estava pela metade no meu triste pé, ou eu voltava na loja para trocar. Decidi voltar.
Aproveitei algum momento entre o fim da tarde e o começo da noite, enquanto o pessoal descansava do almoço (e do vinho), e chamei um taxi. A história da troca do sapato é insignificante. Mera desculpa para eu contar a história do taxi.
O carro chegou ao hotel, metade preto, metade amarelo, como são os taxis de Buenos Aires. O motorista também era meio preto, meio amarelo. A pele oleosa, amarela. A barba mal feita, preta. Mas o sorriso dele prometia que a curta viagem até a loja, na santa fé - loja que, por sinal, fica ao lado de um fenomenal barzinho – seria pelo menos simpática. E foi.
O taxista era jovem, não tinha quarenta anos. Educado, elogiou o Brasil logo de inicio. Perguntou sobre São Paulo, de nossas “chicas”, nossas noites, até nossa música. Me lembrou que haveria um show de “um tal de Gil”.
- Um negrinho muito tranquilo. – me descreveu assim, Gilberto Gil.
Nós não falávamos nem português, nem espanhol. O dialogo se deu numa mistura ridícula dos dois idiomas, mas que incrivelmente funcionou. Eu sabia umas palavrinhas da língua dele, ele sabia umas da minha língua. Assim conversamos, devagar, falando língua nenhuma. Eu entendendo em português, ele entendendo em espanhol.
O curioso fato se deu – e eu sabia que se daria – assim que estávamos chegando. O clima amigável parecia abrir espaço para aquele debate final. Talvez a questão mais marcante, mais digna de um típico brasileiro ao lado de um típico argentino. Já estávamos encostando na santa fé, e começamos o tal dialogo, naquela língua estranha, que em português seria mais ou menos assim:
- Me fala a verdade, Pelé ou Maradona? Quem jogou mais? – O argentino me perguntou, gozador, já se preparando para discordar de mim, afiando a língua para argumentos toscos! Mas eu resolvi brincar com ele, fingi uma cara de dúvida. Com toda a solenidade do mundo eu peguei o malandro no contra pé:
- De verdade mesmo? – eu respondi – Prefiro Don Diego.
Pronto, foi tudo que eu disse, já metendo a mão no bolso para alcançar minha carteira. Ele que já tinha estacionado o carro, se voltou para trás, com um sorriso meio sem graça. Frustrei sua brincadeira né "hermano"? Resolvi levar a sério, com firmeza. Ele indignado:
- É sério?
- Claro.
Finalmente ele se vira para frente, quando eu já abria a porta do carro.
Nem se despediu. A última coisa que eu ouvi aquele quase folclórico argentino dizendo, pasmo, foi um sincero:
- Eu não acho.

2 comentários:

  1. Você escreve muito bem, de verdade....

    História muito bacana, fiquei muito envolvido.

    Parabéns!

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  2. na argentina eles usam um numero a menos no sist. de numeração amigo..
    abraços

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