Não tinha virado dez da manhã, e eu estava na minha doce Avenida Santo Amaro, a pé. Parece comum? Não é. Os que me conhecem, bem ou mal, sabem que as dez da manhã é o ápice do meu sono. O cume, o pico, o orgasmo do meu descanso. E eu já estava a pé na minha doce Santo Amaro. E chovia muito.
Os outros problemas da gente podiam ser como andar na chuva! Pelo menos para mim, depois que começou a chover e eu já estou molhado, aconteça o que acontecer, não me aborrece mais, continuo andando, reto, direto. Como se nada tivesse acontecido.
Mas eu tenho 18 anos, e minha coluna ainda é semi-nova.
Eu cheguei ao ponto da idade, porque um fato tão breve, tão cotidiano, tão urbano, me despertou atenção.
Depois de subir a rua Padre Antônio José dos Santos, rua que eu considero o coração do Brooklin - aonde tomo o melhor suco de abacaxi da cidade - eu reparei numa coisa simples, mas que me perturbou, de certa forma. A rua não é grande. A rua não é tão movimentada, nem permite alta velocidade. É uma rua pequena, uma "via de ligação", como diriam especialistas (ou viciados em leis de trânsito, como eu).
E parada do meu lado, ensopada da chuva, as costas meio curvadas se viam pela transparência da blusa branca, uma velinha. Carregava uma sacola com esforço que fazia parecer que seu braço se destroncaria do ombro. Me ofereci para carregar a sacola, e ela fez que não precisava, e agradeceu com um sorriso largo, mas que despencou imediatamente. A velha estava ensopada, e começou a tossir tosses horríveis. Parecia mesmo que ela cuspiria uma bola de pelo.
E os carros passavam, lentos, e aos poucos, mas passavam, enquanto aquela velinha esperava paciente o farol que não fechava, para poder atravessar finalmente.
É o lógico.
Porém, é o lógico para nós, que desviamos toda a nossa conduta moral e seguimos em cima da linha legal, que diz que os carros, enquanto o farol está verde, podem seguir caminho. E a velinha tomando chuva? Ela tem que esperar. A não ser que os condutores fizessem a gentileza de interromper o seu caminho confortavel por alguns segundos. Mas não acontece, e a velinha tem que esperar. Pode-se assistir essa imagem e vê-la como situação corriqueira. Mas eu não vi. Só consegui pensar em uma coisa.
Nós vivemos em um mundo que quer o fim das guerras, que quer o fim da fome, que faz campanha contra a Aids, contra a mizéria. Um mundo que implora por mobilizações.
O mesmo mundo que deixa uma velha esperar na chuva para não ter que atrasar o seu percurso em alguns segundos.
Não é questão legal, nem ética, moral, não é obrigação.
É questão de hipocrisia.
Você! Você pararia?
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
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